É possível se viciar em meditação?

À medida que a meditação e a atenção plena se tornam cada vez mais populares, elas passam a ser sugeridas ultimamente como solução para melhorar quase tudo: desde o desempenho, a concentração, o estresse até o sono. Há uma quantidade significativa de evidências científicas que comprovam os benefícios dessa prática, mas será que a meditação pode ser viciante ou prejudicial?
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À medida que a meditação e a atenção plena se tornam cada vez mais populares, elas passam a ser sugeridas ultimamente como solução para melhorar quase tudo: desde o desempenho, a concentração, o estresse até o sono. Há uma quantidade significativa de evidências científicas que comprovam os benefícios dessa prática, mas será que a meditação pode ser viciante ou prejudicial?

Antes de discutirmos a possibilidade de se desenvolver um vício em meditação, precisamos esclarecer o que é vício.

O que é o vício?

O vício é uma palavra muito associada à “dependência de substâncias” ou, em casos mais graves, aos “transtornos por uso de substâncias“. O Manual MSD, manual de referência para a classe médica, define o vício como “padrão patológico de comportamentos em que os pacientes continuam a usar uma substância apesar de experimentarem problemas significativos relacionados ao uso”. Nesse sentido, é possível desenvolver dependência de substâncias como álcool, drogas e tabaco, bem como de comportamentos como jogos de azar, videogames, compras ou uso da internet.

Os vícios não aparecem do nada, mas se manifestam muitas vezes como um mecanismo de fuga emocional ou uma forma de se sentir melhor, entorpecendo a dor ou aliviando o estresse. A pressão dos colegas ou o prazer gerado pelo sentimento de euforia também podem contribuir para o desenvolvimento de vícios. Entender os sentimentos e as razões que levam ao vício é o ponto central do seu tratamento, que nada mais é do que aprender a lidar melhor com esses estímulos.  

Viver com o vício é algo complexo, e cada pessoa lida com isso de forma diferente. O vício é uma dependência muito séria e requer apoio da comunidade e ajuda profissional. Se você ou alguém que você conhece está desenvolvendo qualquer tipo de vício, nós recomendamos você a procurar um especialista no assunto.

Meditação e vício

meditação

Após esclarecer o conceito de vício, vamos discutir um pouco sobre a sua relação com a meditação. Práticas baseadas no foco no momento presente, como a meditação, são frequentemente utilizadas no tratamento do vício, pois elas podem auxiliar no desenvolvimento do autocontrole e na redução do estresse.

Pesquisas mostram que a meditação pode ter um impacto positivo na recuperação do vício, ajudando as pessoas a desenvolver habilidades mais saudáveis de lidar com ele e criar uma conscientização sobre comportamentos recorrentes e destrutivos, como a dependência de álcool ou drogas em situações de estresse. Também foi descoberto que a meditação pode ser eficaz na redução do estresse ao integrar programas de tratamento de dependência de instituições como Alcoólicos e Narcóticos Anônimos.

Para além dos efeitos positivos da meditação no tratamento do vício, a questão principal deste artigo é esclarecer se é possível se viciar em meditação. Algumas pessoas que meditam por um longo período de tempo sentem-se mal quando deixam de meditar. Além disso, outras pessoas sentem tanto conforto meditando que não querem parar. Essa vontade de se observar e se ouvir com mais profundidade pode ser muito reveladora para quem continuar nesse caminho. Isso significa dizer que elas são viciadas em meditação?

O mal-estar ou desconforto quando se deixa de meditar após um longo período de prática é normal quando a meditação se torna um hábito. A mente gosta de atividades familiares e, à medida que elas se repetem, essas atividades se tornam hábitos. Esse desconforto pode ser simplesmente uma resposta da mente querendo retornar ao hábito de meditar regularmente, já que para ela, a meditação é um espaço confortável, conhecido e seguro.

Diante disso, é importante esclarecer a distinção entre um vício e um hábito. O primeiro é algo prejudicial para você, algo que você sente que não consegue parar apesar de seus efeitos negativos. Já o hábito, como aponta a psicóloga Mirella Martins de Castro Mariani do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, “é um padrão de comportamento adquirido pela repetição frequente. É uma maneira de se comportar que se tornou quase ou totalmente involuntária” e não necessariamente afeta de forma negativa a  sua vida. Qual dos dois melhor descreve a sua relação com a meditação?

Quanto você deve meditar?

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A duração e a frequência da meditação dependem das suas necessidades e varia de pessoa para pessoa. Em função disso, não existe uma regra oficial ou recomendação específica. Cinco minutos por dia podem ser mais do que suficientes para algumas pessoas, enquanto outras podem chegar a meditar por quase uma hora por dia. Dependendo das necessidades, uma pessoa pode inclusive mudar a sua rotina de meditação com o passar do tempo.

A duração e a frequência ideais da meditação adquirem uma forma à medida que você se aprofunda na prática. A melhor rotina de meditação é aquela que é sustentável para você. Em outras palavras, não há certo ou errado quando o assunto é meditação.

É possível falar em exagero em se tratando de meditação?

As pessoas tendem a achar mais fácil incorporar orientações específicas em suas rotinas porque elas são mais fáceis de serem seguidas e controladas. Um exemplo disso é a recomendação de andar pelo menos 8000 passos e beber cerca de dois litros de água por dia. No que se refere à meditação, no entanto, não há duração e frequência específicas ou recomendadas. A melhor maneira de determinar quanto e com que frequência você quer meditar é experimentando. Suas necessidades podem mudar de tempos em tempos. Às vezes pode ser mais difícil parar e observar a mente correr livremente. Se esse for o seu caso, você poderá optar por meditações mais curtas e ir, aos poucos, aumentando a duração e a frequência à medida que se acostuma com a prática.

Na verdade, a meditação é uma ótima maneira de perceber como algo ressoa para você, incluindo a própria prática da meditação. Como ela encoraja uma observação sem julgamento, você pode, de vez em quando, aproveitar a prática para avaliar se ela está funcionando ou não e decidir se quer parar ou continuar com ela.

A meditação de atenção plena permite você observar seus pensamentos sem julgá-los, reprimi-los, ou censurá-los. Quanto mais você pratica, mais os pensamentos que você nega ou evita se tornam mais visíveis. Em algum momento, o desconforto gerado por esses pensamentos vai diminuir, mas no início lidar com eles pode não ser fácil. Sentar-se em desconforto com emoções e pensamentos desafiadores pode ser difícil até para praticantes de longa data. Você pode achar que a meditação pode não fazer bem porque você não consegue relaxar ou se sentir em paz ao final da prática. Você pode até se sentir pior ao mergulhar nos espaços mais desafiadores do seu coração e da sua mente. Tudo isso, no entanto, faz parte do processo. Dê a você o tempo necessário para tentar enfrentar essas emoções difíceis e observe, com o passar do tempo, se você consegue, aos poucos, relaxar. Seja paciente com você. A meditação é uma maratona, não um sprint.

Infelizmente, sempre haverá adversidades na vida. Meditar, nesse sentido, ajuda você a se sentir à vontade com o desconforto e dá forças para você superar as adversidades.

A meditação pode ajudar você a se conhecer mais profundamente

Sua relação com a meditação faz você lembrar de algum padrão em sua vida? Vários estudos de personalidade chegaram à conclusão de que os padrões de comportamento se manifestam em diferentes áreas da vida. Isso ocorre, por exemplo, quando você tenta criar sentido a uma nova situação com base no seu conhecimento e na sua experiência, para se comportar de uma forma particular e consistente. Nesse sentido, a meditação pode ser uma prática reflexiva poderosa para você perceber os seus padrões de comportamento. Este tipo de auto-observação permite você identificar esses comportamentos e ajuda você a se libertar daqueles comportamentos que não são bons, expandindo a sua capacidade de fazer escolhas mais saudáveis.

 auto-observação

Meditar ou não meditar

É muito normal criar hábitos ruins quando se está passando por um período de muito cansaço, estresse e ansiedade. Em situações como essa, muita gente passa a consumir mais substâncias como álcool ou drogas para escapar dos problemas ou por achar difícil enfrentá-los e vivê-los. Escolher a meditação como uma forma de superar as dificuldades pode não ser uma jornada fácil, principalmente se você está experimentando o auge de uma situação desafiadora. Porém, a meditação pode ajudar você a respirar e a se acalmar, enquanto ela gentilmente lembra você da sua força para enfrentar e superar essas dificuldades.  

Por outro lado, meditar o máximo que você puder pode não ser a solução para seus problemas. Algumas situações são simplesmente difíceis, não importa o que façamos. Se a meditação ajuda você, medite o quanto você achar que é necessário. Se ela não ajudar, não force. O mais importante é que você esteja se cuidando. Caso seja necessário, procure a ajuda de um profissional.

Procure prestar atenção no que motiva e desmotiva você a meditar. Você medita para se acalmar? Para não encarar um problema? Para aprofundar sua autoconsciência? Há inúmeras razões para fazer da meditação um hábito, mas certifique-se de adequá-la às suas próprias necessidades. Se você não se sente bem em uma determinada parte de sua meditação, você não precisa fazê-la e pode sem.

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